O caso de uma adolescente de Joinville estuprada por criminosos que atuam no aplicativo Discord é centro de uma investigação nacional divulgada pela primeira vez pelo Fantástico em abril deste ano. Na segunda parte da reportagem, que foi ao ar na noite de domingo (25), o repórter Estevan Muniz conversa com a joinvilense de 13 anos e a irmã da vítima.
A menina foi cooptada por integrantes deste grupo que dissemina ódio e violência na internet em agosto do ano passado. A pedido de um dos líderes do esquema, de 20 anos, ela viajou mais de 500 quilômetros com um carro de aplicativo de carona até São Paulo, onde, durante duas semanas, foi drogada, violentada e mutilada por diferentes agressores.
A irmã, que também é tutora da jovem, conta que ela deixou apenas um bilhete indicando que teria fugido para ficar com os amigos. O medo da mulher era de nunca mais ver a caçula.
“No início, só foram conversando com ela, falando que era amigo dela, que ela poderia ir pra lá, que seria muito legal e que não iria ter nenhum adulto enchendo o saco. Ele mandou um aplicativo de carona aqui, pra ela ir pra lá. No primeiro dia já forçou relações com ela. Depois disso, foram pra outra casa, chagando lá, doparam ela, e forçaram novamente relações” relatou a irmã ao Fantástico.
Nesta casa, a adolescente encontrou outras vítimas menores de idade. Uma delas, de Curitiba (PR), chegou a presenciar o estupro da joinvilense. A paranaense também foi estuprada e, inclusive, está grávida de um dos abusadores.
O que é o Discord e como a polícia chegou aos criminosos
O Discord é um aplicativo que permite que pessoas se comuniquem em transmissões ao vivo de vídeos. Lá, os criminosos deste esquema chantageiam as vítimas para que cumpram desafios e, caso não os façam, têm fotos íntimas vazadas na internet.
Um dos abusadores já preso, chamado de Dexter, teve vários aparelhos de armazenamento apreendidos, e o material revela uma coleção cruel: “backup das vagabundas estupráveis”. Em cada pasta, o nome de uma vítima. São dezenas de meninas violadas, chantageadas, expostas, catalogadas.
As imagens gravadas e espalhadas na rede mostram estupros acontecendo também de forma virtual, além de meninas agredidas e forçadas a gravar o nome dos criminosos na própria pele, com uso de lâminas e violência contra animais.
Na plataforma, os agressores evidenciam envolvimento com tráfico de drogas e fazem apologia ao nazismo, racismo e misoginia. Eles, que demonstram ter aversão a mulheres, se sentem protegidos pelo anonimato e se tornam cada vez mais cruéis.
A polícia chegou ao caso meses depois dos crimes após denúncias e vídeos enviados por ex-participantes do grupo e vítimas. Além da responsabilização individual dos agressores, o Ministério Público de São Paulo também investiga o próprio Discord.
“Nós estamos apurando, através de um inquérito civil, a falta de segurança da plataforma Discord. Crimes individuais sempre vão ocorrer na internet. O que diferencia é a detecção de que nessa plataforma está ocorrendo um discurso estruturado de ódio. Um local propício para que eles planejem ataque as vítimas e, principalmente, transmitam o conteúdo do crime”, declarou o promotor de Justiça de São Paulo Danilo Orlando.
Em entrevista ao Fantástico, o porta-voz do Discord disse que a plataforma “não tolera comportamento odioso”. “Nós somos um produto gratuito para mais de 150 milhões de usuários ao redor do mundo, e de tempos em tempos, conteúdo mau e comportamento mau vão acontecer. Nós trabalhamos ativamente para remover esse conteúdo”, afirmou o porta-voz. “Gostaria de enfatizar que a vasta maioria das interações de brasileiros usando Discord são positivas e saudáveis. Nós somos proativos e investigamos grupos que podem estar envolvidos em ameaças a crianças e trabalhamos para tirar esses agentes ruins da plataforma”.